segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Jazz › História



Conceito
A melodia jazzística nasce do instrumento e não da teoria. No jazz, o próprio instrumentista faz a sua técnica, emitindo sua mensagem musical do jeito que sente a música. Portanto, o importante é o sentimento do instrumentista, enquanto na música erudita vale mais o sentimento do compositor. Por isso, se costuma dizer que jazz não é algo que se toca, mas como se toca. 
Diferencia-se da música erudita e da música popular pelos seguintes elementos: 
- Relação especial com o sentido de tempo, caracterizado em grande parte pelo conceito de ritmo. 
- Pela espontaneidade e vitalidade de sua criação e execução instrumental, onde a improvisação ocupa um papel de extrema importância. 
- Pela sonoridade e fraseado, que espelham a contribuição pessoal do instrumentista.

Origens
O jazz surgiu das influências culturais na música negra no sul dos Estados Unidos. Sua origem vem, em primeiro lugar, das canções de trabalho que amparavam os negros durante o trabalho. Também vem da música religiosa, dos ritmos da música espanhola do Golfo do México, da estrutura e ritmo da música francesa, polcas, marchas das bancas, tendo como base de tudo o ritmo do negro. 
Blue note: a música negra que, praticamente, serviu de base para o jazz foi o blues, forma musical cujo tema é expresso em 12 compassos e na qual aparecem as alterações melódicas e antigas do jazz: os intervalos de terça ou sétima menores, numa tonalidade maior. A qualquer dessas alterações se dá o nome de blue note. O blues exprime estados de espírito, geralmente relacionados com o viver, dormir, correr, amar e morrer. São melancólicos e aparecem depois da emancipação do negro, originários das canções e trabalho, da balada inglesa e do espiritual.

Os estilos do Jazz
Ocorre dos estilos do Jazz serem separads em décadas, mas apenas para que se possa ter uma visão definida de sua evolução. Por isso, não quer dizer que nas décadas seguintes, mesmo já com outros estilos, o anterior deixa de ser executado.

Ragtime (1890)
O ragtime foi o precursor imediato do período a que se chama Jazz Clássico de New Orleans. Teve uma parte de sua origem nas tentativas de pianistas negros copiarem a técnica das orquestras de instrumentos metálicos. Assim, mudavam o acento do tempo forte do compasso para fraco, ao tocarem marchas e também no repique do ritmo da gavota.  O ragtime é caracterizado por uma melodia altamente sincopada, tendo por acompanhamento um ritmo regularmente acentuado em notas graves. 
Scot Joplin, do Texas, ficou conhecido como o Rei do Rag, tendo mais de 600 composições de sua autoria, para piano, orquestra, incluindo ragtimes, canções e valsas. Sua música não contava com a improvisação, elemento básico do jazz, mas tinha um ritmo muito característico e foram muito cedo usadas na improvisação jazzística. Mas o primeiro músico a se libertar das normas de composição e execução do ragtime foi Jelly Roll Morton. Com sua interpretação, transformou todo o material melódico do rag, conduzindo-o assim, ao estilo New Orleans, do qual foi um dos precursores. 
Morton revelou-se excelente arranjador em sua orquestra. O arranjo e a improvisação podem coexistiam perfeitamente. Decidia-se o esquema rítmico, depois se organizava as funções dos diversos blocos de instrumentos e era estudada a atuação de músico por músico, escolhendo-se os momentos em que cada um improvisaria. Portanto, o rage de Jelly Morton abriu o caminho para o jazz. Levou a tradição do ragtime para Chicago e Califórnia. 
O declínio do ragtime ocorreu no final da Primeira Guerra Mundial, pois Joplin tinha tornado o rag requintado e sério demais. O interesse voltou-se então para Morton, que neste momento já estava improvisando no rag e, assim, fazendo o jazz, o que abriu espaço para a fase seguinte.

O Jazz de New Orleans (1900)
Foi em New Orleans que surgiu o jazz e a importância dos grandes músicos que daí vieram foi predominante até a década de 30. Contribuiu para isso a tradição hispano-francesa, rica atividade musical européia e a existência de duas populações negras diferentes. Havia dois tipos de mestiços negros: o crioulo, de origem francesa e o americano, de origem inglesa. Os crioulos já possuíam um comportamento muito mais elevado que os americanos, influenciando a vida da cidade e o surgimento do jazz. 
Esse entrelaçamento de raças e diferentes tipos de atividades musicais formaram o estilo New Orleans de jazz, caracterizado por três linhas melódicas num contraponto entre o piston, o trombone e a clarineta. Mas eles não tocam uma melodia, mas três melodias distintas, correspondentes a três improvisos. A essência do estilo de piston de New Orleans é a simplicidade, quase sem nenhum floreado. O trombone assegura a ligação com as harmonias fornecidas pelo acompanhamento (contrabaixo, banjo, washboard) e a clarineta costura o toque de ambos.

Dixieland (1910)
Esse foi o período em que os brancos aderiram em massa à musica dos negros. Dixieland era o apelido do sul dos Estados Unidos, e é atribuído ao jazz que se tocava num estilo New Orleans por músicos brancos. A diferença é mais histórica do que com relação à espécie da música. Com o tempo, orquestras de brancos passaram a ter músicos negros, e vice-versa e a pequena diferença de interpretação foi sendo eliminada. 
Jack Laine foi o primeiro branco a obter sucesso com sua orquestra tocando a música de New Orleans. Sua orquestra sem piano lançou o jazz Dixieland, que mais tarde arrebatou o s EUA e fascinou o mundo. O declínio de Jazz em New Orleans, na fase dixieland, é relacionado diretamente com a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial. A cidade se transformou numa base naval e o Ministro da Marinha entendeu que a diversão da cidade seria um perigo para a tropa, portanto o bairro boêmio Storyville foi fechado por decreto. As centenas de músicos que ficaram sem trabalho foram para outras cidades, sobretudo Chicago.

Chicago Jazz (1920)
Com o êxodo de New Orleans, o jazz dixieland se instalou em Chicago e se desenvolveu, principalmente, a partir de 1920. A atividade musical se concentrou no bairro negro Southside, originando o Estilo Chicago ou Chicago Jazz. Grande parte dele tem a ver com a imitação imperfeita do Jazz de New Orleans pelos músicos de Chicago. 
Ou seja, surgiu um estilo em que a melodia fluía mais tranqüilamente, mais simples e clara, abrindo espaço para o toque individual e a valorização do instrumento solando sozinho. O Chicago Jazz é basicamente uma sucessão de solos, ao contrário dos estilos New Orleans e dixieland, onde os solos se entrelaçavam intensamente. Esta fase marca a introdução do saxofone e a efetivação do piano, entre os instrumentos de acompanhamento. 
Posteriormente, os estilos New Orleans, dixieland e Chicago ficaram conhecidos como Tradicional Jazz.

Swing (1930)
Esse estilo surgiu em Nova York, produzido por músicos oriundos dos estilos anteriores, fixados no Harlem, o bairro negro. Em razão da enorme divulgação, o jazz ganhou grande comercialização, levando ao surgimento de danças derivadas do blues, ragtime e dixieland. O swing é caracterizado por serem fortes todos os quatro tempos do compasso, todos eles batidos pelo bombo. Alguns especialistas não consideravam o swing como jazz. Como reação ao chamado "desvirtuamento" do jazz, houve uma renovação do Tradicional Jazz, denominado Revivalismo, logo depois da época do swing.

Bebop (1940)
Trata-se de um estilo variante do swing, no qual o ritmo é marcado mais pelo prato da bateria do que pelo bombo. No estilo swing, o baterista mantinha o pedal em movimento regular e usava os pratos e os tambores para os efeitos rítmicos. No bepop, transferiu-se a batida fundamental do bombo para os pratos superiores e o pedal deixou de ser usado, a não ser para produzir um esporádico efeito especial, além dos pratos serem mantidos sempre em atividade.
Cool Jazz (1950)
Estilo que mistura swing e bebop. Caracterizado também pelas inflexões do prato, porém sem o nervosismo e a agitação do bebop, sendo uma música mais tranqüila. No final dos anos 40 surgiu a escola do cool jazz, quando músicos mais moderados voltaram-se pra o aspecto lírico e brando do bebop. O principal responsável por essa mudança foi Lester Willis, excelente sax-tenor. 
O cool jazz invadiu rádios e filmes, mas depois for perdendo a identidade e se fundiu na corrente geral do jazz moderno, no qual se incluiu o pianista Dave Brubeck.

Hard Bop (1950)
O hard bop, como o cool jazz e soul jazz, iniciou como uma variação de outro estilo musical, no caso, o bop. Com o crescimento do bop na segunda metade dos anos 40, as estrutura dos acordes, ritmos e de improvisação no jazz se tornaram muito mais complexas. Apesar dos pioneiros serem mestres virtuosos, muito dos seguidores sacrificaram o sentimento pela precisão, emoção por velocidade. Quando o cool jazz emergiu no final dos anos 40, algumas das qualidades do swing que foram desestimuladas (arranjos, o uso do espaço e uma ênfase no timbre) para que o jazz fosse restaurado num certo sentido. Entretanto outros jovens músicos queriam utilizar um campo maior de emoções do que era encontrado no cool jazz, e eles procuraram colocar no jazz elementos de spiritual e música gospel. O Hard bop gradualmente se desenvolveu e na metade dos anos 50 ele se tornou na linha mais moderna do mainstream do jazz. Apesar de ser baseado no bop, o hard bop tinha algumas diferenças.
Os ritmos poderiam estar bem ardentes, mas as melodias eram geralmente mais simples, e os instrumentistas (notadamente os saxofonistas e pianistas) tendiam a ser mais abertos a influências e os contrabaixistas começavam a ter um pouco mais de liberdade e espaço para solos. Em função dos solos serem carregados de soul, o hard bop foi apelidado de "funk" durante um tempo. No começo dos anos 60 o soul jazz se desenvolveu independente do hard bop, embora os dois estilos se entrecruzarem freqüentemente. Durante a década de 60 os músicos do hard bop começaram a incorporar aspectos da música modal, permanecendo num acorde por longos períodos de tempo e da vanguarda em suas músicas.

Free Jazz ou Jazz Rock (1960)
Esse estilo é caracterizado pelo desaparecimento da célula rítmica básica, ou seja, o ritmo é irregular e a melodia é atonal. São incorporados elementos musicais de diversas culturas e o ruído passa a fazer parte do som musical. Consagrados músicos de jazz americanos atuam em conjunto com instrumentistas de outros países: Arábia, Índia, Brasil, Japão e Espanha. 
Enquanto no jazz tradicional o ouvinte possuía uma série de moldes auditivos, nos quais se pautava a execução musical, no free jazz houve uma inversão. A música fica repleta de sons e efeitos eletrônicos em liberdade total.

Jazz Fusion (1970)
Inicialmente denominado jazz-rock, o termo fusion foi erroneamente utilizado, durante anos, para abrigar outras formas musicais que eram mais intimamente relacionadas com o pop digestivo ou R&B. Seguindo a versão mais tradicional, fusion foi uma mistura da improvisação jazzística com outros ritmos, timbres e a energia do rock, agora mais direcionado e mais transcendental.
Devido ao enfraquecimento do jazz, em função da disputa entre os hard boppers e os raivosos artistas do free jazz, muitos músicos começaram a olhar para o rock. A introdução de teclados eletrônicos e os pianos elétricos, sintetizadores, mais a aparelhagem de efeitos sonoros atualizaram os pianistas com uma galáxia de novos sons a serem explorados.
A guitarra elétrica se transformou numa referência, ao se tornar um instrumento de solo, executando um som bem alto e brilhante; o baixo acústico deu lugar a um mais portátil, eletrônico e com formato de guitarra. E os bateristas mudaram seus estilos, deixando de lado os ritmos de bop para se orientar ao rock, dando ênfase a cada batida, com força e pulsação.

O Jazz em Nova York
Nova York teve especial papel no mundo jazzístico, não por ter sido berço de um estilo, mas por sua posição dominante na indústria americana de diversões. Com seus clubes noturnos, teatros famosos e com o centro das gravadoras, absorveu o desenvolvimento de todas as fases do Jazz, a partir da Primeira Guerra Mundial, e lançou muitos ao estrelato. Embora tenha sido uma espécie de ponto de convergência para a música e músicos de todos os estilos, merece atenção o grupo do Harlem, no final dos anos 20. Lá surgiram líderes como Duke Ellington e o desenvolvimento do Bebop, no início da década de 40, com músicos com Dizzy Gillespie e Thelonius Monk.
 
 
 
Fontes: Introdução ao Jazz e seus estilos, de Caio Vono. Clube de Jazz

sábado, 26 de dezembro de 2009

Prefácio do livro de Márcio Borges,
Os sonhos não envelhecem

Por Caetano Veloso

Nos anos setenta, um grupo de mineiros se afirmou no cenário da música popular brasileira com profundas conseqüências para sua história, tanto no âmbito doméstico quanto no internacional. Eles traziam o que só Minas pode trazer: os frutos de um paciente amadurecimento de impulsos culturais do povo brasileiro, o esboço (ainda que muito bem-acabado) de uma síntese possível. Minas pode desconfiar das experiências arriscadas e, sobretudo, dos anúncios arrogantes de duvidosas descobertas. Mas está se preparando para aprofundar as questões que foram sugeridas pelas descobertas anteriores cuja validade foi confirmada pelo tempo. Em minas o caldo engrossa, o tempero entranha, o sentimento se verticaliza.
Márcio Borges é a pessoa indicada para escrever sobre a experiência daqueles garotos mineiros nos anos setenta não apenas por ser ele próprio um dos letristas mais atuantes e representativos do grupo, mas por ter sido ele a induzir Milton Nascimento a compor. E Milton Nascimento foi – é – o pólo, o elemento catalisador, o próprio lugar de inspiração do movimento. Quando Milton surgiu num festival da TV Excelsior de São Paulo cantando uma composição de Baden Powell, Gil me chamou a atenção para a originalidade do seu talento. Essa observação Gil viria a confirmar quando ouviu as primeiras composições de Milton. Eu, no entanto, se fiquei impressionado com a presença pessoal do colega recém-chegado (sua beleza nobilíssima de máscara africana, sua atmosfera a um tempo celestial e triste, sua aura mística e sexual) não fui capaz de detectar a grandeza musical de seu trabalho, num primeiro momento. Vi-lhe a seriedade de intenções e sinceridade de tom desde sempre, mas eu sou baiano (amante das aparências) e estava engajado num programa de regeneração da música brasileira através da carnavalização do deboche e do escândalo – através da paródia e da autoparódia – e não via ali muito além de um desenvolvimento daquilo que Edu Lobo já vinha fazendo de interessante, ou seja, um desdobramento da bossa-nova que abrangia estilização das formas nordestinas. Claro que, em breve, veria que muito do que nós baianos tínhamos sublinhado – a saber: rock, pop, sobretudo Beatles, além da América espanhola – também estava incorporado ao repertório de interesses de Milton. Mas todo esse conjunto de informações desempenhava funções distintas em seu trabalho e no nosso. Sem apresentar ruptura com as conquistas da bossa-nova, exibindo especialmente uma continuidade em relação ao samba-jazz carioca, Milton sugeriu uma fusão que – partindo de premissas muito outras e de uma perspectiva brasileira – confluía com a “fusion” inaugurada por Miles Davis. Essa fusão brasileira desconcertou e apaixonou os próprios seguidores da “fusion” americana. Quando Milton estava com o show num teatro à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, em 1972, eu vim da Bahia – para onde tinha voltado depois do exílio – e fiquei tão impressionado com o que vi e ouvi ali quanto os músicos do Weather Report que visitaram o Rio pouco antes ou pouco depois. Talvez por razões – e com conseqüências – diferentes, mas no mínimo com a mesma intensidade. A profundidade que eu percebi ali só fez se intensificar para mim desde então. Orgulho-me de não ter me entregue a um repúdio puro e simples do que era diferente de mim. E de, por isso, poder hoje ter um diálogo enriquecedor com essa diferença. O que me levou a isso foi minha reverência pela música: Milton sempre foi obviamente para mim um músico muito maior do que eu.
Para contar sobre o lado de dentro dessa história de mineiros, sobre a vida vista do ângulo daquela esquina que nomeou o grupo famoso, Márcio Borges, sensível, poeta, cheio de inteligência e amor, mostrou-se generoso o bastante para decidir-se a escrever para nós este livro.
Os Beatles eram Rolling Stones
Por Ronaldo Bastos


Ficou escrito na estrelas meu encontro com Milton Nascimento num pé-sujo da rua Voluntários da Pátria, no Rio de Janeiro, nos tempos idos de 1967. Foi como se finalmente tivessem se encontrado a fome e a vontade de comer. Escrevo Milton Nascimento e acho estranho. Aprendi a chamá-lo de Bituca e dali pra frente nunca o chamei de outra coisa e para sempre será assim. Acho estranha a maneira que uma gente agora o chama de Nascimento ou Milton. Mas isso é uma outra história. Estamos falando de tempos mais duros e mais felizes.
Eu morava ali pertinho e tinha o costume de ir ao Teatro Jovem, onde pintavam as novidades musicais. Vi Gilberto Gil chegando da Bahia, ouvi emocionado meu ídolo e futuro parceiro Edu Lobo, assisti dezenas de vezes ao lendário "Rosa de Ouro", de Hermínio Bello de Carvalho e outros bambas. Foi voltando de uma dessas noitadas que encontrei aquele carioca da Tijuca, criado em Minas, que iria mudar a vida do quase menino nascido em Niterói e carioca por vocação. Tinha na memória um jovem negro que me impressionara ao participar de um festival cantando "Cidade Vazia", de Baden Powell e Lula Freire. Ficara impressionado com a gravação de "Canção do Sal", que Elis fez em seu primeiro disco e muitas vezes me perguntei quem seria aquele desconhecido chamado Milton Nascimento, que compunha de uma maneira inusitada e uma beleza sem precedentes. Pois ali, atrás de um copo de batida de limão, estava o Bituca, e daquele momento em diante passamos a andar juntos e as pedras começaram a rolar.
Naquela mesma noite presenciei o espanto e o prazer com que a geração pós-Bossa Nova, que incluía Edu, Francis, Dori, viu chegar aquele irmão retardatário e prodigioso. Ninguém tocava vioão daquela maneira! E o timbre da voz, de onde vinha aquele bronze que tinha nuances de cristal? Bituca veio pelas m‹os de Agostinho dos Santos para o Festival da Canção, onde classificou "Travessia", "Morro Velho" e "Maria, Minha Fé”. Era como se eu soubesse tudo que iria acontecer e ali estivesse começando o que estava escrito nas tais estrelas. Confesso que me falta o talento de memorialista para captar o cheiro daqueles tempos e traduzi-los para os narizes de agora. Não vi acontecer depois algo que chegasse aos pés do que acontecia naquela época. Era um tempo em que não se dizia "mídia", um tempo de censura e ditadura. Nós éramos jovens e só nos interessava a Revolução. Abominávamos a ignorância da direita e a burrice de certos setores da esquerda. Queríamos mudar o mundo e estivemos perto de mudá-lo em 1968. Ou, pelo menos, acredito que nunca o mundo mudou tanto em tão pouco tempo.
Vejo enfileiradas num anúncio de revista as capas da produção fonográfica do Clube da Esquina, na década de 70. O texto do anúncio é fraco, a capa do disco "Milton" está posicionada de forma incorreta, mas é de grandeza a visão que esse conjunto nos inspira. Qualquer pessoa intelectualmente de boa vontade, mesmo os mais renitentes darks de butique, vai enxergar muito além de mineiro o que foi, a partir da Bossa Nova, o mais universalista movimento musical brasileiro.
O Clube da Esquina nunca foi perdoado por não ter feito média com a "mídia". Coleciono dezenas de recortes de jornais que desancavam o Bituca quando ele deixou de ser o bom moço de "Travessia" para cair na vida e revolucionar, junto com seus amigos do Tropicalismo, o ranço da MPB da época e da produção fonográfica no Brasil.
Tenho ainda uma matéria de uma importante revista da época, cujo título era "Esses são os Beatles brasileiros". Pois os Beatles eram Rolling Stones e não tinham muito tempo para ficar fazendo jogo de cena. É isso.
A visão dessas capas enfileiradas, a audição dos discos e a fidelidade do público falam por si mesmas. Pelas mãos do Bituca conheci aqueles garotos que, como eu, amavam Noel, Caymmi, Dylan, Hendrix, Tom Jobim. Eles se chamam Márcio, Fernando, Lô, Beto, Toninho, Wagner, Danilo, Flávio, Nelson Ângelo, Novelli, Tavinho, Murilo, Cafi, Joyce e tantos outros. Passamos a rolar juntos desde então por essas estradas, como uma família que, mesmo quando não está junta, nunca está separada.
O que se seguiu hoje é história; mesmo quando a história ainda não é contada como deveria. Nós continuamos jovens e só nos interessa a Revolução.

Fonte: Museu Clube da Esquina - Ponto dos Músicos

FONTE: Museu Clube da Esquina - Ponto dos Músicos

Disco Clube da Esquina

Um dos discos mais importantes do mundo em todos os tempos

Por Robert Dimery, crítico inglês

Se Clube da Esquina fosse apenas o equivalente brasileiro de Sgt. Pepper's, já se destacaria como uma enorme contribuição para a música popular internacional. Mas esta bela seleção de canções, originalmente lançada em LP duplo, também tornou Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta artistas de discos bem-sucedidos por seus próprios méritos. Embora Milton Nascimento - um intérprete carismático, com um falsete puro, carregado de espiritualidade - seja o centro gravitacional do disco, ele ainda não era um superstar, e Clube da Esquina é muito um esforço coletivo, co-creditado a Lô Borges. Misturando paisagens sonoras de sonho, letras surreais e uma notável variedade de influências sul-americanas, Clube da Esquina foi um marco na música popular, que abriu portas criativas para outros artistas.
O Clube da Esquina consistia num grupo de amigos de Belo Horizonte, uma cidade no interior do estado de Minas Gerais. Em 1971, eles passaram 6 meses em uma casa alugada na praia de Piratininga, norte do Rio, compondo e compartilhando seu amor pelos Beatles. No estúdio, a música adquiriu rica grandiosidade, com orquestrações de Eumir Deodato e Wagner Tiso. O disco produziu uma série de sucessos, entre eles "Cravo e Canela" e "Nada Será como Antes". A influência dos Beatles é particularmente forte nas canções estilo "rock mineiro" primorosamente compostas por Lô Borges, como "O Trem Azul" e "Nuvem Cigana", reluzentes melodias cheias de maravilhas e caprichos.


Trecho do livro 1001 Albums You Must Hear Before You Die

domingo, 6 de dezembro de 2009

Leia sobre as seguintes Músicas gravadas no Lendário disco CLUBE DA ESQUINA.Essas e muitas outras informações sobre o Clube da Esquina você encontra no site do Clube. Link aqui no Blog.

Nuvem cigana, de Lô e Ronaldo Bastos, tem toda a melodia dobrada pela guitarra de Lô Borges, que também faz ocasionais frases que se intensificam mais para o fim da música. A base é feita pelo violão de 12 cordas de Beto, com o baixo bem desenvolto de Toninho. O belo arranjo de Wagner Tiso – com regência de Paulo Moura – destaca as cordas e os sopros, especialmente flautas. É uma canção pop de acentuado sabor rock.

Clube da esquina Nº2, de Lô e Milton, fortalece o caráter do uso orquestral como elemento de ambiência. Diferentemente da orquestra como moldura proposta pela Bossa Nova e da orquestra como elemento narrativo mostrada pela Tropicália, os mineiros propõem um uso mais impressionista da massa orquestral. Esse tema instrumental tem a melodia apresentada por Milton em uníssono de voz e violão. As cordas entram em figuras longas, um fundo orquestral que só “canta” o trecho que depois virá receber o verso “e lá se vai mais um dia”. Há um solo vocal de Milton, com o violão, excepcional, meio índio, meio negro, ausente de qualquer herança rock ou jazz, comumente presente em intervenções desse tipo.

Nada será como antes, de Milton e Fernando Brant, é uma canção vigorosa que começa praticamente sem introdução, com uma marcação regular do ritmo, primeiro pelas guitarras de Beto e Tavito, depois pelo piano de Wagner (sempre a partir do meio da estrofe) e o violão de Milton. Uma belíssima melodia entoada por Lô inicia uma longa ponte, que reincide mais adiante, com alternância dos compassos 4 por 4 e 7 por 8. Novamente surgem os vocais dobrados, de Milton e Beto. Na volta dos versos da segunda estrofe, o violão de Milton varia as batidas como se fosse uma bateria fazendo evoluções. O coro é também muito bem explorado.

Em Saídas e bandeiras Nº 2, também de Milton e Fernando Brant, muda a poesia, mas permanece a mesma melodia e o instrumental da versão número 1. Porém, esta traz um distinto trabalho de Milton ao violão, em conjunto com a guitarra de Nelson Angelo, incluindo um solo de baixo tocado por Beto Guedes.

domingo, 22 de novembro de 2009

Novidade

Já chegou na TOP CD os três primeiros dvds dos Especiais da Globo - SOM BRASIL -Milton Nascimento, Ivan Lins e Vinícius de Moraes. O programa traz novas versões para clássicos da MPB, feita por artistas novos e já famosos(além, de em alguns casos, pelo próprio artista homenageado).Músicos de primeira qualidade.Bom para sua rópria coleção e para presentear no Natal. O preço é excelente.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Voltamos a trancrever histórias de algumas músicas famosas da nossa MPB.

Você Abusou
Antonio Carlos & Jocafi

A dupla baiana Antônio Carlos (Antonio Carlos Marques Porto) e Jocafi (José Carlos Figueiredo) existia havia três anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro, contratada pela RCA em 1971. A mudança deu sorte, pois meses depois eles alcançavam as primeiras colocações nas paradas de sucesso com Você Abusou: Você abusou/ tirou partido de mim, abusou/ tirou partido de mim, abusou/ tirou partido de mim, abusou... Um sambinha desinteressado, que acentua sua despretensão na própria letra (se o quadradismo dos meus versos/ vai de encontro aos intelectos), Você Abusou acabou se tornando uma espécie de composição-padrão no repertório de Antônio Carlos e Jocafi. Esse padrão seria utilizado em sucessos com Desacato e Teimosa, dando, porém, a essas e outras canções uma impressão de repetição, de coisa já ouvida. Mas Você Abusou ultrapassou fronteiras, tendo um sucesso extraordinário na França ( como o título de Fais Comme l’Oiseau) e outros países europeus, sucesso que se estendeu a países asiáticos, como o Japão, onde seus autores ganharam um segundo lugar no World Popular Song Festival, realizado em 1974, com a canção Diacho de Dor. O curioso é que Antônio Carlos e Jocafi parece que não faziam a princípio muita fé em Você Abusou, acreditando mais em Mudei de Idéia, que deu título ao seu primeiro elepê.


Fonte: A Canção no Tempo, vol.2.
Jairo Severiano e Zuza Homem de Melo

segunda-feira, 12 de outubro de 2009